I Corintios
Examinemos, em seguida, outras passagens do Novo Testamento igualmente relevantes para a discussão, e que impõem restrições ao ministério feminino nas igrejas locais. Essas passagens não podem ser deixadas de fora de qualquer tratamento sério do assunto. É verdade que nenhuma delas diz explicitamente que mulheres não podem ser ordenadas como presbíteras, pastoras, ou bispas. Entretanto, todas elas impõem restrições ao ministério feminino, e exigem que as mulheres cristãs estejam submissas à liderança masculina. Essas restrições têm a ver primariamente com o ensino por parte de mulheres nas igrejas. Já que o governo das igrejas e o ensino público oficial nas mesmas são funções de presbíteros e pastores (cf. 1 Tm 3.2,4-5; 5.17; Tt 1.9), infere-se que tais funções não fazem parte do chamado cristão das mulheres.A. 1 Coríntios 11.3-16
Escrevendo ao crentes de Corinto acerca de questões relacionadas com o culto público, Paulo aborda o problema causado por algumas mulheres que estavam orando, profetizando (e provavelmente falando em línguas) com a cabeça descoberta, isto é, sem o véu, contrariando assim o costume das igrejas cristãs primitivas (1 Co 11.16). A passagem é extremamente difícil de interpretar, e depende dos detalhes de um contexto histórico que não pode ser totalmente recuperado. Entretanto, os pontos principais do apóstolo na passagem são suficientemente evidentes.1. Profetizando e orando com o véu
Ao que tudo indica, as mulheres de Corinto haviam entendido que o Evangelho havia abolido, não somente as diferenças raciais, como também qualquer diferença de função na Igreja entre homens e mulheres crentes. Possivelmente, estavam interpretando o ensino de Paulo acerca da igualdade do homem e da mulher na salvação, como tendo conseqüências imediatas quanto ao culto e ao serviço cristãos. Assim, estavam querendo abolir dos cultos públicos o uso do véu, que na cultura da época era a expressão externa do conceito da subordinação da mulher ao homem.Aparentemente, algumas estavam reivindicando "direitos iguais" com um espírito contencioso (1 Co 11.16). Paulo não lhes nega o direito de participar do culto, mas insiste que elas devem faze-lo trajando o véu, expressão cultural do princípio permanente da subordinação feminina. Não usá-lo significava desonra, indecência, vergonha (11.5,6,14). O ensino de Paulo em 1 Coríntios 11 é que as mulheres devem participar do culto preservando o sinal de que estão debaixo da autoridade eclesiástica masculina.
2. O véu como símbolo de submissão à autoridade
No verso 10 Paulo se refere ao véu como sinal de autoridade (1 Co 11.10). O texto grego original diz literalmente que "a mulher deve trazer autoridade sobre a cabeça" (o)fei/lei h( gunh\ e)cousi/an e)/xein e)pi\ th=j kefalh=j). A interpretação da maioria dos estudiosos é que e)cousi/an ("autoridade") se refere ao véu, e que o mesmo simbolizava que a mulher estava debaixo da autoridade do homem. Tanto assim, que um grande número de versões inglesas traduzem e)cousi/ancomo "véu" ou como "símbolo de autoridade" (NASB, NRSV, NIV, NCV, NKJV, NAS, etc; ainda a versão Colombe, francesa, e Reina de Valera, espanhola, e a NVI, em português). Outras versões são mais explícitas ainda, e traduzem "símbolo da autoridade do homem" (como a TEV e a LB).(17) Um paralelo bíblico é o de Gênesis 24.65, quando Rebeca, ao tomar conhecimento de que seria apresentada ao seu futuro marido e senhor, Isaque, tomou o véu e cobriu-se.Em outras palavras, embora Paulo permita que a mulher profetize e ore no culto público, ele requer dela que se apresente de forma a deixar claro que está debaixo de autoridade, no próprio ato de profetizar ou orar. Para Paulo, a expressão externa da subordinação da mulher ao seu cabeça (o homem) durante o culto público seria o uso do véu, já que o mesmo, na cultura oriental da época (e mesmo em algumas culturas hoje) expressaria convenientemente este conceito.
3. Cabeça: autoridade sem superioridade
A argumentação de Paulo para fundamentar sua orientação vem de duas direções. Primeiro, Paulo argumenta teologicamente, a partir da subordinação de Deus Filho a Deus Pai. O Pai é o cabeça de Cristo, que por sua vez, é o cabeça do homem, e o homem o cabeça da mulher:Quero, entretanto, que saibais ser Cristo o cabeça de todo homem, e o homem, o cabeça da mulher, e Deus, o cabeça de Cristo. Todo homem que ora ou profetiza, tendo a cabeça coberta, desonra a sua própria cabeça. Toda mulher que ora ou profetiza com a cabeça sem véu, desonra sua própriacabeça, porque é como se a tivesse rapada (1 Co 11.3-5 - minha ênfase).Tomando-se kefalh/ ("cabeça") em seu sentido mais natural, de "autoridade", o que temos é uma declaração de Paulo de que Deus tem autoridade sobre Cristo, Cristo tem autoridade sobre o homem, e o homem tem autoridade sobre a mulher. Uma cadeia hierárquica que começa na Trindade e continua na igreja e na família. Podemos inferir (guardadas as devidas proporções) que, da mesma forma como a subordinação de Cristo ao Pai não o torna inferior — como afirma a fé reformada em sua doutrina da Trindade — a subordinação da mulher ao homem não a torna inferior. Assim como Pai e Filho, que são iguais em poder, honra e glória, desempenham papéis diferentes na economia da salvação (o Filho submete-se ao Pai), homem e mulher se complementam no exercício de diferentes funções, sem que nisto haja qualquer desvalorização ou inferiorização da mulher.
Em várias ocasiões o Novo Testamento determina que os crentes se sujeitem às autoridades civis (Rm 13.1-5; 1 Pe 2.13-17). Em nenhum momento, entretanto, este mandamento implica que os crentes são inferiores ou têm menos valor que os governantes. Igualmente, os filhos não são inferiores aos seus pais, simplesmente porque devem submeter-se à liderança deles (Ef 6.1). O conceito de subordinação de uns a outros tem a ver apenas com a maneira pela qual Deus estruturou e ordenou a sociedade, a família e a igreja.(18)
4. Implicações da criação
O segundo argumento de Paulo vem das Escrituras, mais especificamente do relato da criação em Gênesis 2. Para provar que a mulher é a glória do homem (e portanto a ele subordinada), Paulo escreve:Porque o homem não foi feito da mulher, e sim a mulher, do homem [Gn 2.21-23]. Porque também o homem não foi criado por causa da mulher, e sim a mulher, por causa do homem [Gn 2.18] (1 Co 11.8-9).Paulo vê nos detalhes da criação uma ordenação divina quanto aos diferentes papéis do homem e da mulher. Não somente a mulher foi criada do homem, como por causa dele. Para o apóstolo, Deus revelou pela forma como criou a mulher o seu propósito de que o homem fosse seu cabeça. E a intenção divina deveria ser refletida no culto público. Ou seja, a mulher deveria participar de forma condizente com sua condição de subordinação.
A implicação de 1 Coríntios 11 para o debate da ordenação feminina é clara. Se a mulher está debaixo da autoridade eclesiástica exercida pelo homem ao participar do culto, não pode exercê-la sobre ele. Ser ordenada como presbítera ou pastora implicaria que ela poderia ensinar aos homens com a autoridade que o ofício empresta, e participar do governo da igreja, exercendo autoridade sobre os homens crentes, o que contraria frontalmente o princípio ensinado por Paulo na passagem.
Há pontos difíceis de interpretar em 1 Coríntios 11, como por exemplo a menção de "anjos" no verso 10, e a referência à "natureza" no verso 14. Entretanto, nenhuma destas dificuldades é fatal para a compreensão do ponto central de Paulo na passagem, que é a limitação baseada em gênero que ele coloca sobre a participação da mulher no culto.
5. O ensino de Paulo se aplica hoje?
Evidentemente, os igualitaristas têm procurado se livrar das implicações desta passagem, e tentado alternativas quanto à sua interpretação. Na verdade, alguns simplesmente se recusam a trazer a passagem para o debate alegando que o problema que levou Paulo a dizer o que disse foi causado pela cultura da época, e pelas circunstâncias da cidade de Corinto. Outros ainda insistem que Paulo estava influenciado pela cultura patriarcal da sua época, que suas palavras são condicionadas culturalmente, e portanto, inadequadas para as culturas e sociedades posmodernas do fim do século XX.Existem algumas deficiências com estas tentativas. Primeira, não fazem a distinção entre o princípio teológico supra cultural e a expressão cultural deste princípio. Enquanto que o uso do véu é claramente um costume cultural, ao mesmo tempo expressa um princípio que não está condicionado a nenhuma cultura em particular, que é o da diferença fundamental entre o homem e a mulher. O que Paulo está defendendo é a vigência desta diferença no culto público — o véu é apenas a forma pela qual isto ocorreria normalmente em cidades gregas do século I. Segunda, Paulo defende a participação diferenciada da mulher no culto usando argumentos permanentes, que transcendem cultura, tempo e sociedade, como a distribuição ou economia da Trindade (1 Co 11.3) e o modo pelo qual Deus criou o homem (1 Co 11.8-9). Acresce ainda que Paulo defende o uso do véu em Corinto apelando para o costume das igrejas cristãs em geral (1 Co 11.16), o que indica que o uso do véu não era prática restrita apenas à igreja de Corinto, mas de todas as igrejas cristãs espalhadas pelo mundo grego.
6. Autoridade ou fonte?
Um ataque desfechado contra a passagem é que a palavra kefalh/ no verso 3 não significa "cabeça" e sim "fonte" ou "origem".(19) Segundo esta interpretação, Paulo estaria dizendo, não que Deus tem autoridade sobre Cristo, e o homem sobre a mulher, mas que Deus é a fonte da qual Cristo procede, e que o homem é afonte da qual a mulher procedeu. Assim, a idéia de "autoridade" é removida da passagem, ou pelo menos domesticada.Entretanto, há vários fatos que militam contra a probabilidade de esta interpretação ser a correta: 1) Estudos exaustivos feitos na literatura grega antiga demonstram que kefalh/, na esmagadora maioria de suas ocorrências, significa "cabeça" e não "fonte". Embora em alguns casos kefalh/ possa ter esta tradução, em nenhum deles é absolutamente certo de que "fonte" ou "origem" é o sentido pretendido pelo autor.(20) 2) Na passagem paralela de Efésios 5.22-23 kefalh/ claramente significa "cabeça" no sentido de "ter autoridade sobre". O mesmo encontramos em Efésios 1.22.(21)
7. O subordinacionismo é herético?
Um outro ataque desfechado pelos igualitaristas é contra o conceito de subordinação na doutrina da Trindade, já que Paulo fundamenta a subordinação da mulher à liderança masculina na subordinação de Cristo à Deus Pai (1 Co 11.3). Alguns feministas evangélicos insistem que a doutrina da subordinação na Trindade implica em inferioridade do Filho em relação ao Pai, e que, portanto, é herética. Alguns chegam mesmo a afirmar que o subordinacionismo foi uma heresia rejeitada pela Igreja no século IV.(22) Mais recentemente, alguns feministas evangélicos têm negado a subordinação do Filho ao Pai.(23)Estas posições tem sido rejeitadas por estudiosos evangélicos como enganosas. Em seu estudo sobre 1 Coríntios 11, T. Schreiner demonstra como o credo Niceno afirmou a subordinação de funções do Filho ao Pai, e do Espírito ao Pai e ao Filho, sem comprometer a igualdade e a dignidade pessoal entre as pessoas da Trindade. O que a Igreja rejeitou como heresia foi uma forma de subordinacionismo que predicava uma inferioridade de essência entre o Pai, o Filho e o Espírito.(24)
1 Coríntios 11.2-16, portanto, traz implicações quanto ao ministério feminino ordenado que não devem ser ignoradas por aqueles que defendem a ordenação de mulheres a funções eclesiásticas de autoridade e liderança sobre homens. No nosso entender, nenhuma das tentativas dos igualitaristas tem obtido sucesso na domesticação destas implicações.
B. 1 Coríntios 14.33b-38
Esta é uma outra passagem da pena do apóstolo que é de relevância para o debate sobre o ministério feminino ordenado, pois nela Paulo impõe algum tipo de restrição à fala das mulheres na Igreja:Como em todas as igrejas dos santos, conservem-se as mulheres caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar; mas estejam submissas como também a lei o determina. Se, porém, querem aprender alguma coisa, interroguem, em casa, a seu próprio marido; porque para a mulher é vergonhoso falar na igreja (1 Co 14.33b-35).
1. O problema textual
Existe um problema textual que temos de enfrentar, antes de podermos trazer esta passagem para o debate. Embora os versos 34-35 apareçam em todos os manuscritos existentes de 1 Coríntios 14, contudo, nas testemunhas ocidentais (manuscritos e versões), aparecem após o verso 40, ao fim do capítulo. A maioria dos estudiosos admite a complicação textual envolvendo estes versos, mas também reconhece que a passagem deve ser original, visto que não é omitida emnenhum dos manuscritos que temos.O conhecido estudioso Gordon Fee tem dado alguma credibilidade à tese de que estes versos não foram escritos por Paulo, mas são interpolação posterior de um escriba.(25) Entretanto, a tese de Fee não tem sido aceita pela maioria dos estudiosos, e tem sido respondida à altura por eruditos como D. A. Carson.(26) Prevalece o consenso de que, apesar das dificuldades textuais, os versos 34-35 foram escritos por Paulo após o verso 33, como atestam os melhores manuscritos.(27)
2. O que Paulo quer dizer por "falar"?
A questão central relacionada com a passagem é que tipo de restrição Paulo está impondo às mulheres. Essa restrição não parece ser absoluta, ao ponto de reduzir as mulheres ao silêncio total nos cultos, já que ele, em 1 Coríntios 11.5, deixa a entender que elas poderiam orar e profetizar durante as reuniões, desde que se apresentassem de forma própria, refletindo que estavam debaixo da autoridade masculina.(28) A dificuldade é que "falar" é um termo bem genérico ( lale/w), e Paulo não coloca qualquer qualificação ao mesmo. Para alguns, Paulo está proibindo que as mulheres falem em línguas; outros, que elas conversem em voz alta durante os cultos. Mas estas proibições se poderiam estender também aos homens — por que não? No entanto, transparece que a proibição de Paulo leva em conta o gênero. Ainda outros pensam que a proibição refere-se apenas às mulheres casadas. Nenhuma destas interpretações é realmente convincente; todas elas têm sido refutadas habilmente por estudiosos.(29)No meu entender, a interpretação que traz menos problemas é a que defende que Paulo tem em mente um tipo de "fala" pelas mulheres nas igrejas que implique em uma posição de autoridade eclesiástica sobre os homens crentes. Elas podiam falar nos cultos, mas não de forma a parecer insubmissas, cf. v.34b. No contexto imediato Paulo fala do julgamento dos profetas no culto (v. 29), o que envolveria certamente questionamentos, e mesmo a correção dos profetas por parte da igreja reunida. Paulo está possivelmente proibindo que as mulheres questionem ou ensinem os profetas (certamente haveria homens entre eles) em público. Se elas tivessem dúvidas quanto ao que foi dito por um ou mais profetas, as casadas entre elas deveriam esclarecê-las em casa, com os maridos (se fossem crentes, naturalmente), cf. v. 35.
3. O ensino de Paulo se aplica hoje?
A determinação de Paulo está de acordo com o espírito cristão em todas as demais igrejas, 14.33b. Portanto, não é paroquial, apenas para a situação da igreja de Corinto. Está conforme a "lei", uma provável referência às Escrituras, onde claramente se ensina que Deus atribuiu ao homem e à mulher papéis diferentes na família e na igreja, 14.34b. E as igrejas de Corinto não deveriam se insurgir contra o costume das demais igrejas e contra o ensino apostólico, 14.36-38. Elas não eram a "igreja mãe", de onde a Palavra de Deus havia surgido, 14.36. Seus líderes, os profetas e os "espirituais", deveriam reconhecer a autoridade apostólica de Paulo e se submeter ao seu ensino sobre este assunto, 14.37-38. Fica evidente que Paulo está estabelecendo um princípio permanente para as igrejas, e não apenas fazendo jurisprudência teológica local.A passagem assim entendida está em consonância com 1 Coríntios 11, onde Paulo faz uma diferença entre a participação do homem e da mulher no culto. Enquanto que ali Paulo requer delas que se apresentem submissas à liderança masculina, aqui no capítulo 14 determina-lhes que não falem de forma a parecer que estão na liderança. As implicações destas passagens para o debate acerca da ordenação feminina são claras. Elas deixam claro que Paulo não era um igualitarista.
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